As diferentes escolas de Yoga que se apresentam atualmente no ocidente sofrem influência de duas tradições filosóficas distintas, que compõem uma parte do que viemos a conhecer hoje como hinduísmo: a tradição Smarta e a tradição Vaishnava.
O maior expoente da tradição Smarta é o mestre Shankara, que viveu no século VIII, e através dos seus comentários dos Upanisads, Vedanta Sutra e Bhagavad Gita, difundiu e sistematizou a filosofia advaita, ou não-dualismo.
A tradição Smarta acredita que a meta última da entidade viva é alcançar Moksha, ou a liberação dos ciclos dos nascimentos e mortes (Samsara) através da observação do Dharma, ou dever natural da entidade viva. Uma vez estabelecida firmemente no Dharma, e suplantando os desejos por Kama (satisfação material) e Artha (desenvolvimento econômico), a entidade viva cria condições para atingir a liberação. Uma vez liberta, a entidade viva não precisa mais assumir nenhuma forma e se funde no Brahman, ou o Todo Universal, perdendo a sua individualidade.
De acordo com essa tradição, tudo o que existe está contido dentro de Brahman, não existindo uma realidade espiritual separada do universo. Os diferentes deuses são apenas representações simbólicas de aspectos específicos do Brahman, que em última análise é desprovido de forma, nome e características. A devoção (Bhakti) e a fé são apenas estágios pelo qual o praticante passa para atingir o conhecimento (Jnana), que lhe permite distinguir o que é real do que é ilusório, levando-o à Moksha.
De forma distinta, a tradição Vaishnava considera que o conhecimento, assim como o poder são inferiores à fé e à devoção. De acordo com o que afirma o mestre Vaishnava Srila Bhakti Raksak Shridhar Dev-Goswami Maharaj: “Quando o coração desperta, a função do cérebro se aposenta”. Em seu livro “A Busca Amorosa Ao Servo Perdido” Shridhar Maharaj é ainda mais enfático:
“O amor, a beleza, a afeição e a harmonia são o anseio mais íntimo de toda alma viva e não o poder, o conhecimento ou qualquer outra ciosa. Este é o diagnóstico de toda a Criação no tempo e no espaço; a causa comum é uma só. Mas é raro uma alma chegar a um estágio tão claro de anseio pela realidade que lhe permita entender este ponto. Encontramos poucas almas neste mundo realmente conscientes de sua necessidade mais íntima , que percebem que: ‘queremos Krishna! Queremos Vrndavana!’ ”
Nessa perspectiva, abordar o absoluto somente por Sua concepção Brahman é ter uma compreensão incompleta da realidade espiritual. Se os Vedas descrevem que a realidade última é composta por Sat (eternidade), Cit(consciência ou individualidade) e Ananda (bem-aventurança), o Absoluto Supremo não pode ser diferente. Brahman se refere apenas ao aspecto eterno do Absoluto, que é onipresente e oniabrangente. Contudo temos o aspecto consciência do absoluto que é chamado de Paramatma ou Superalma e o aspecto de bem-aventurança que é chamado de Bhagavan.
Paramatma é o aspecto localizado do Absoluto. Refere-se ao caráter onipenetrante da Divindade que se faz presente no coração de tudo o que é vivo e dentro de cada átomo e célula do universo, Bhagavan se refere ao aspecto pessoal do Supremo, que é oniatraente, pleno de nomes, formas e qualidades transcendentais à energia ilusória. Todo o encanto, a doçura e a beleza advindos das qualidades eternas da Pessoa Suprema, são fatores máximos de atração para as entidades vivas que, uma vez despertas para o mundo espiritual, têm a oportunidade de ingressar em uma relação amorosa, eterna e bem-aventurada com o Absoluto. Conforme corroborado por Sri Krishna no Bhagavad Gita:
“ Por meio da arte de conectar-se em serviço, oferecendo todas as suas atividades a Mim, com a compreensão de que apenas Eu sou a meta suprema, abrigue-se no enlace de sua inteligência coMigo e permaneça sempre e lealmente devotado a mim” (Sri Gita 18.57).
Para o Vaishnava o serviço devocional ao mestre espiritual e à Pessoa Suprema é ao mesmo tempo o fim e o meio pelo qual a entidade viva realiza o seu potencial pleno. A posição da entidade viva é inconcebível, sendo simultaneamente una e separada do Senhor. Una por que é feita da mesma substância espiritual - composta por eternidade, consciência ou individualidade e bem aventurança - mas separada porque, diferente de Bhagavan, que é infinito e ilimitado, a entidade viva é finita e limitada.
“A verdade absoluta, a substância transcendental que é objeto de nossa indagação através da fé, está dotada de todo poder e de toda consciência. Ele é bondoso, benevolente e doce. Seu poder é infinitamente superior ao nosso, e nós somos infinitamente menores do que Ele. Nossa atitude deve ser de que, comparados a Ele, somos insignificantes.” – Srila B.R Shridhar Dev-Goswami Maharaj
Somente por meio da fé e da rendição ao Centro Absoluto, a entidade viva pode transcender ao ambiente ilusório e situar-se na plataforma espiritual de serviço devocional amoroso ao Senhor.
É importante, que o praticante e estudante de Yoga saiba discernir essas duas correntes filosóficas para não se deixar levar por uma compreensão parcial da realidade espiritual, correndo o risco de almejar uma dissolução total no Brahman impessoal, tornando-se assim desprovido das qualidades espirituais necessárias para uma relação de amor, afeto, beleza, doçura e encanto, que se origina de uma atitude de humildade, submissão e rendição ao Mestre Espiritual e à Suprema Personalidade de Deus.