Pelos Caminhos da Índia

Saudações!

Pra abrir o mês de agosto publico aqui no blog o relato que fiz da minha viagem à Índia em 2005/2006. O artigo foi escrito originalmente para o jornal periódico do Centro Acadêmico de Turismo da UFJF.

Namastê!


Passei um fim de ano completamente diferente do que estava habituado. A partir da segunda metade de dezembro de 2005 até o dia 20 de janeiro, andei por aquelas bandas do oriente e presenciei um pouco do que a sagrada terra da Índia pode oferecer. Fora dos pacotes turísticos que normalmente encontramos para Índia (que contemplam visitas ao Taj Mahal, templos famosos, mercados de Nove Délhi, praia e sol em Goa, etc). Optei por um caminho diferente. Orientado por meu pai, grande amante daquela terra, não quis ser um simples turista, equipado com câmera fotográfica, encerrado em um grupo de turistas ocidentais perplexos e portando uma boa quantidade de dólares, pronto para comprar, absorver, agarrar, guardar e sugar tudo que estivesse ao meu alcance. Antes de ir meu pai me instruiu: “A Índia é uma mãe, os próprios indianos a chamam de Mãe Bharata, não chegue querendo tirar nada de lá como nós ocidentais sempre fizemos nesses últimos séculos. Ao contrário, leve alguma coisa para ela, coloque-se a seu serviço e ela se revelará a você. A Índia mais do que um lugar físico, é um estado de consciência. e uma vez acessando esse estado, a Índia verdadeira nunca te abandonará.” Guiado por esse pensamento, tratei de tomar uma atitude reverente desde o primeiro momento que pisei naquele solo sagrado, berço de conhecimento, medicina, música, culinária e espiritualidade. Uma civilização que vem resistindo há milênios a todas as invasões, e, apesar das contradições, se mantém até os dias de hoje como um centro emissor de bênçãos espirituais e boa lições de vida para toda a humanidade.

Conheci velhos homens, incríveis, que com um brilhante sorriso estampado no rosto transmitiam a doçura, a beleza e o encanto de quem dedicou os seus dias ao desenvolvimento de uma vida espiritual eterna, plena de conhecimento e bem-aventurança. Fui bem recebido, bem hospedado e bem alimentado.

Nada precisava pagar por isso, apenas se eu quisesse. Emocionei-me muitas vezes tanto pelo brilho da riqueza cultural e devocional, quanto pelo horror da sujeira, da pobreza e da doença. Mas não deixei-me abater nos momentos difíceis. Mãe Bharata parecia dizer-me que tudo tem sua razão de ser e que não cabia a mim tentar compreender os arranjos que o Supremo faz para atender a cada um dos seres viventes desse planeta. Quando não resistia ou tentava me defender, uma profunda doçura me era revelada, mesmo em meio ao inacreditável caos.

Quando mergulhamos no coração da Índia e conseguimos ir além das aparências, tudo se transforma ao nosso redor, com num passe de mágica. Tudo torna-se incrivelmente belo e harmonioso. O rio Ganges, a princípio um simples rio sujo da Ásia, apresenta-se com toda a sua opulência cortando o solo da Índia a distribuir suas bênçãos purificadoras. Por detrás da tela começamos a perceber aquilo que meu pai chama de um outro estado de consciência. Cada movimento ali começa a fazer sentido e você percebe uma mensagem vinda de um plano superior, comunicada através da natureza simples e espontânea das pessoas, da forma como o dia vai começando - com os sinos das bicicletas e dos templos, do barulho das engrenagens do carro de boi, misturado com o som dos pássaros, dos cânticos devocionais, dos símbalos e dos tambores - e da forma como o dia vai terminando, da mesma forma como vai começando, sendo reverenciado e contemplado incansavelmente por todos. Tudo se mostra, então, como um convite a ingressar em uma nova forma de viver, de ver o mundo e a nós mesmos. Uma nova perspectiva sobre a vida e a morte é apresentada, e um mundo totalmente novo descortina-se dentro de nós.
Esse é o tipo do turismo oculto que a Índia revela de acordo com o nosso esforço interior. Claro que existe também o turismo “bolha” onde o turista tem a opção de se proteger do mundo e só enxergar o que for agradável para os olhos e a mente. De apenas absorver o que lhe convém e evitar o mergulho na cultura, na convivência, no horror e na beleza. No turismo bolha, muitas coisas bonitas são vistas mas não é dado aquele “salto quântico” ao qual eu estive tentando me referir acima.
Na cidade de Jaganatha Puri, no litoral do Estado de Orissa, ao Sul da Bengala ocidental, os grandes hotéis já tomam conta de norte a sul da orla praiana. A atmosfera luxuosa e imponente das construções contrasta incrivelmente com o estilo simples da população local. Escondido atrás dos hotéis, em uma pequena depressão na rua, o lixo é depositado aos montes, sendo disputado pelos cachorros, pelas vacas e pelos corvos.
Os turistas podem fazer suas compras no centro comercial e adquirirem requintadíssimos artigos indianos. Podem passear pela cidade e apreciar todo o exotismo indiano expresso nas vestimentas das pessoas, nas fachadas dos templos e nas feiras livres onde uma variedade incalculável de itens é exposta (colares, anéis braceletes, tecidos aos milhões, pratarias, artigos decorativos, tapetes, instrumentos musicais, artigos devocionais, incensos, peças em madeiras, fotos, cartões postais, imagens de deuses hindus etc,etc,etc). Nesses passeios evita-se passar pelos inúmeros becos distribuídos ao redor do centro da cidade onde a dolorosa realidade de um dos lugares mais inflamados do mundo é exposta impiedosamente. Esgotos escorrendo pelos cantos das ruas, lixo, doenças, sujeiras, homens jogados na sargeta, leprosos, bois mal-tratados e cães sardentos brincando com as crianças, não são uma boa coisa para o turista apreciar.
Na praia pode-se fazer passeios de camelos importados que andam monotonamente de um lado para o outro e garantem o sustento de alguns indianos que descobriram um meio de explorar os turistas. Se o turista preferir, pode simplesmente observar, da piscina da cobertura do hotel o movimento cíclico do mar.

Hospedado em um pequeno Math* , perdido em meio ao hotéis, localizado perto da praia, eu refletia sobre o que via a minha volta e me perguntava se os nossos ilustríssimos turistas estavam tendo tempo de perceber algo maravilhoso que acontecia naquele local. Um brilho dourado parecia envolver toda a cidade. A forte atmosfera espiritual do lugar transmitia aos corações um amor e uma doçura indescritíveis. Eu me sentia como se estivesse derretendo de tanta alegria, êxtase e paz que aquela terra proporcionava. De manhãzinha, antes do nascer do sol, enquanto tudo ainda estava escuro, já era possível ver na praia um grande número de pessoas. Algo espantoso. Cada um com suas orações e suas preces para receber o astro-rei que estava por vir. Nessa hora, o som de um alto falante de um pequeno templo, ressoava uma melodia que embalava aquele momento mágico e me fazia recordar certos sentimentos de infância, não sei ao certo, mas algo muito familiar. O sol quando raiava no horizonte, era envolto por uma névoa cor de açafrão e o seu brilho refletia no mar que iluminava a todos. E não era só isso, as pessoas eram de uma simplicidade admirável. Vários indianos chegavam perto de mim com um sorriso aberto nos lábios querendo ser amigo. Perguntavam de onde eu era, se estava gostando da Índia, quanto tempo eu iria ficar e como eu iria embora. Em todo canto era vendido o chai, um chazinho preto com leite que eu gostava de saboreá-lo juntamente com um Bedee . Na hora do almoço comia com a mão em um prato de folha, uma comida simples, muito saborosa e muito picante. Na rua via alguns bezerros andando despreocupadamente, com cuidado tocava o seu pêlo. Ao cair da tarde, após o pôr do sol na praia, voltava para o Math e um dos devotos do templo me acolhia com carinho, pegava na minha mão, me abraçava e se mostrava saudoso com a minha partida. Todo esse brilho e alento que eu percebia, estava oculto. Parece incrível mas era isso. Estava oculto e só era alcançado através de uma atitude simples, de uma abertura para o contato humano com a população local e para as mensagens que eram comunicadas ao coração. Esse é o que comecei a chamar de turismo oculto. Que não dá para pegar com as mãos ou ver com os olhos simplesmente. Exige algo mais, exige uma auto-entrega, exige um mergulho profundo na realidade. Não adianta simplesmente contratar um guia e dissecar o lugar com sua máquina fotográfica.
No momento de deixar a Índia, inexplicavelmente, sentia uma tristeza intensa nunca antes sentida. As lágrimas caíam incessantes dos meus olhos e uma saudade insuportável abatia-se sobre mim. Só me restava agradecer. Olhava para a paisagem deixada para trás pelo trem que ia rumo à estação de Calcutá onde eu embarcaria no avião. Com as mãos juntas na altura do peito orava: Oh Índia! Obrigado! Namastê! Agradeço por seu importante legado deixado à humanidade! Que possamos no ocidente abrir-nos também para essa oculta realidade interior que tanto alento traz a nossas vidas!
Não tinha nada a oferecer a mãe Bharata a não ser a mim mesmo. Ofertei minha admiração, meu respeito e minha reverência. E pela graça de Deus, ela me carregou em seu colo e levou-me a conhecer segredos profundos que já habitavam meu coração. Me colocou em contato com nobres sentimentos, que jamais esquecerei. Namastê!