Bhagavad Gita
O Bhagavad Gita foi escrito perto de 3.000 (a.c). Nasceu da conversa sagrada entre Sri Krishna e o guerreiro Arjuna no campo de batalha de Kuruksetra (região do centro-norte da Ìndia). Gita significa canção e Bhagavad refere-se à forma original e pessoal de Deus. Bhagavad Gita dessa forma traduz-se por “Canção do Senhor”. É talvez a escritura mais antiga e a mais lida em toda a história da humanidade. Os ensinamentos nele contidos, se estudados sob o abrigo de um mestre espiritual genuíno, são capazes de orientar o praticante de Yoga em seu processo de auto realização e satisfação interior.
Conforme apresentação de Sua Divina graça Srila Shridhar Dev-Goswami Maharaj em seu texto de apresentação do Gita: “O Sri Gita é ativação para o preguiçoso, coragem para o covarde, esperança para o desesperado e vida nova para quem está morrendo. O Sri Gita unifica e sustenta todas as posições, seja do revolucionário, do ocultista, do otimista, do renunciante, do liberacionista ou do teísta pleno. As concepções essenciais de todos os tipos de filósofos são abordadas dentro de uma lógica clara e vigorosa – seja a do ateu dotado da mais grosseira visão, seja a do santo mais elevado. O trabalhador fruitivo, o erudito, o praticante de ioga e o devoto do Senhor, todos encontrarão aqui uma apresentação compreensível e iluminante da substância de suas respectivas filosofias, e é por isso que o livro é muito apreciado por todos.”
O contexto histórico em que se dá o diálogo entre Krishna e Arjuna no campo de batalha é retratado no Mahabharata, texto épico indiano que narra a luta dos 5 filhos do rei Pandu (entre eles Arjuna), conhecidos como os Pândavas, contra as atrocidades de Duryodhana, seu perverso primo, que, tomado por um ciúme incontrolável, almejara durante toda a sua vida tomar o reino de Pandu e colocar os Pândavas em completa ruína.
Todas as injustiças e humilhações impostas aos Pândavas pelos Kauravas (Duryodhana e seus irmãos), resultam em uma grande guerra mundial que envolve praticamente todas as forças bélicas existentes no planeta na época (cerca de 3.000 a.c).
Antes do início da grande batalha, no campo de Kurukshetra, onde reuniam-se para a guerra 64 milhões de pessoas, o célebre guerreiro Arjuna, líder de um dos exércitos, pede a Sri Krsna, para manobrar sua quadriga de forma que ele pudesse observar o exército oponente: “ Nesse momento, ó rei, Dhananjaya (Arjuna), montado em sua carruagem decorada com a bandeira de Hanuman, estava pronto para disparar suas armas. Ao ver Duryodhana e sua companhia posicionados para o combate, Arjuna tomou o seu arco e dirigiu-se a Krsna: ó Krsna! Por favor, situe a quadriga entre os exércitos, para que eu possa observar os guerreiros contra os quais deverei combater nesta batalha e que vieram lutar para a satisfação do perverso Duryodhana. (Sri Gita 1.20,21)
Quando se depara, no campo inimigo, com diversos parentes, amigos, mestres e bem-querentes, o invencível guerreiro cai prostrado no meio do campo de batalha, completamente tomado pela dúvida e por um profundo sentimento de lamentação. Queixa-se então a Krishna, enfatizando o despropósito daquela guerra, declarando por fim: “Govinda eu não lutarei” (Sri Gita 2.9). “Arjuna disse: ó Krsna! Vendo meus parentes diante de mim ansiosos pela guerra, esvai-se a força dos meus membros do meu corpo e sinto minha boca ressecar/ Meu corpo inteiro treme e arrepia-se. Não tenho mais firmeza para segurar meu arco Gandiva e mina pele queima./ Ó Kesava! Não posso me conter por mais tempo. Minha mente está desorientada, e vejo apenas sinais hostis carregados de mau agouro/ Sequer vejo algum bem em matar meus próprios parentes na batalha. Ò Krsna! Não desejo vitória,reino ou felicidade/ Ó Govinda! Qual o valor do nosso reino? Qual o propósito da felicidade e do desfrute, se aqueles para quem desejaríamos tudo isso – mestres, patriarcas, filhos, avós, tios maternos, sogros, netos, cunhados, e outros parentes – vieram hoje para a guerra, decididos a sacrificar suas próprias vidas e posses? Portanto, ó Madhusudana, não desejo matá-los mesmo que queiram tirar-me a vida.” (Sri Gita, 1.28-34)
De forma surpreendente, Krishna, seu quadrigário, amigo e conselheiro, o aconselha a abandonar a covardia e se levantar para a batalha: Ó filho de Kunti! Abandone essa covardia, pois ela é indigna de você. Ó grande herói, livre-se dessa fraqueza de coração e levante-se para a luta! (Sri Gita, 2.6). Dessa forma Krishna inicia sua ampla e elaborada resposta a Arjuna, revelando-se ao longo do diálogo como o Supremo Senhor, Mestre Espiritual de todo o universo.
No início de sua resposta, Krishna começa enfatizando a natureza da alma e mostrando o caráter transitório do mundo material e o caráter permanente do mundo espiritual, conforme se segue: O Senhor disse: Ó Arjuna, usando palavras sábias, você se lamenta pelo que não é digno de pesar. Pois aquele que é sábio não se lamenta pelos vivos, nem pelos mortos/ Nunca houve um tempo em que inexistíssemos, Eu, você, ou todos esses reis. Assim como existimos no presente, também já existimos no passado, e continuaremos a existir no futuro/ Tal como o ser vivo corporificado passa gradualmente neste corpo da infância à juventude e à velhice; do mesmo modo, a alma obtém ainda outro corpo ao advir a morte. Os sábios não se confundem com tal transformação/ Ó filho de Kunti! Somente a ocupação dos sentidos com seus objetos ocasiona as sensações de frio, calor, prazer e dor. Porém, esses efeitos são temporários – aparecem e desaparecem. Portanto, ó Bharata, você deverá tolerá-los.
Dessa forma, ao longo de sua exposição, Krishna sintetiza de forma brilhante toda a herança legada pela cultura védica ao longo de eras ancestrais, e estabelece, de forma definitiva, os princípios filosóficos de todas as formas de Yoga existentes.
Um dos pontos culminantes da narração acontece no capítulo 11 denominado Visva-rupa-darsana: A Visão da Forma Universal, quando Arjuna declarando a dissolução completa de sua ignorância em relação à natureza suprema de Krishna, manifesta o desejo ainda de ver, de fato, a Sua forma onipotente. “Ó senhor de todos os poderes místicos! Imploro que, por favor, exiba sua forma onipotente e imperecível, se Você entender que sou capaz de contemplá-la”. Krishna exibe então Sua forma universal para o atônito Arjuna que “com seu corpo tremendo em êxtase” dá início à impressionante descrição que se segue: “Arjuna disse: Ó Senhor dotado de uma forma magnífica! Em seu corpo, sou capaz de ver os semideuses, todas as espécies de vida, os sábios e as serpentes transcendentais, e ainda Mahadeva e o Senhor Brahma sentado sobre a flor de lótus. Ó Senhor do Universo! Ó forma universal! Em todas as direções vejo Seu corpo ilimitado de muitos braços, barrigas, olhos e faces – entretanto, não posso vislumbrar Seu começo, meio ou fim. Resplandecendo por todas parte com coroas, maças de combate, e armas em forma de disco, vejo sua imagem todo-iluminada e refulgente, irradiando como o sol e o fogo flamejante e, portanto, muito difícil de contemplar além de toda a imaginação. Você é a personificação da Verdade Absoluta Suprema, cognoscível por meio dos Vedas; Você é o reservatório exclusivo deste universo e o preservador imperecível da eterna religião mencionada nos Vedas. Você é certamente a eterna Personalidade Suprema, e essa é minha firme convicção. Sem começo, meio ou fim, ilimitadamente poderoso e possuidor de inúmeras armas, com olhos como o sol e a lua e a compleição como a do fogo incandescente, vejo Você cauterizando o universo com Sua intensa radiação. Nada além de você preenche todas as direções e todos os espaços entre o céu e a terra. Ó forma universal! Ao ver este seu perfil estarrecedor e aterrador, todos os residentes dos três mundos estão amedrontados. Todos os semideuses estão entrando em Você, alguns com temor, oferecendo-Lhe orações com as mãos em prece. Os grandes sábios e seres perfeitos estão lhe oferecendo orações selectas, repletas de adoração e dizendo: ‘Que toda auspiciosidade recaia sobre o universo’. Os semideuses conhecidos como Rudra, Aditya, Vasu, Sadhya, Visvadeva, os Gêmeos Asvini-Kumara, as deidades dos ancestrais, as raças Gandharva, Yaksa, Asura e Siddha contemplam Você; na verdade todos observam Você maravilhados. Você é a origem eterna de todos os semideuses e o único refúgio do universo. Você é o único conhecedor e cognoscível e a corporificação da transcendência. Ó ilimitado! Este universo é penetrado por Você.” (Sri Gita, 11.15-22,38)
Após isso, o inigualável quadrigário de Arjuna ainda dá importantes instruções sobre o conhecimento espiritual e revela o mais oculto de todos os tesouros que é o próprio afeto e estima que Ele tem por Arjuna. “Ouça mais uma vez o Meu ensinamento supremo e o mais oculto de todos os tesouros. Você Me é muito querido, e é realmente por isso que Eu revelo este Meu supremo ensinamento para seu verdadeiro benefício. Krishna deixa claro então que o verdadeiro conhecimento espiritual só pode ser obtido por meio do afeto e da devoção que a alma cultiva em relação a Deus e ao mestre espiritual, que é a única forma de despertar a boa vontade do Absoluto em favor de suas partículas infinitesimais .
No final do texto Krishna ainda instrui Arjuna a abandonar todas as formas de religião e se entregar tão somente a Ele: “abandonando todos os tipos de religião, entregue-se apenas a Mim. Eu o libertarei de todos os tipos de pecado. Portanto não se desespere”. (Sri Gita, 18.66).
Por fim o grande guerreiro Arjuna se apruma, recobrando suas forças e declara: “Ó infalível! Por Sua graça, minha ilusão foi dissipada. Posso agora recobrar minha identidade, todas as minhas dúvidas se foram e permaneço rendido a Você. Agora seguirei Sua ordem (Sri Gita, 18.73). Arjuna se levanta então para a batalha - que dura dezoito dias - na qual praticamente toda a força bélica existente no planeta é aniquilada. Os Pândavas, a quem Krishna se dispôs a proteger pessoalmente, foram um dos poucos sobreviventes dessa assombrosa guerra.
O sábio Sanjay, narrador do Gita, declara no último verso do texto: Onde quer que se encontrem o Senhor Supremo de todos os poderes místicos, o próprio Senhor Sri Krishna, e o arqueiro conquistador de opulências, o próprio Arjuna, ali mesmo prevalecerá a deusa da boa fortuna, a deusa da vitória e a virtude suprema. Decerto esta é minha firme conclusão. (Sri Gita, 18.78)
O Gita então é matéria indispensável de estudo para todo praticante de Yoga e para todo aquele que se dedica ao auto-conhecimento e à auto-realização.